domingo, 12 de abril de 2009

ANTES NUNCA DO QUE TARDE


ANTES NUNCA DO QUE TARDE



Como sempre, o covarde

Incapaz de ser feliz

Foge da felicidade

Dela escapa por um triz


Corre, se esconde, se evade

Daquilo e de quem pertence

Vida fria que não arde

Peito frio que nunca vence


Viver, ato de coragem

Alguns sabem, outros não

Contrariar do espelho a imagem

Fúria, determinação


Porém, não sem devoção

Ser capaz, em desvantagem

De doar-se em coração

Sem perdão, sem vassalagem

Sorrir de encontro ao chão


Antes nunca do que tarde

Ou seria tudo em vão

Antes nunca do que tarde

O “sim” tarde iguala ao “não”

Antes nunca do que tarde

Fogo tarde é já carvão

Antes nunca do que tarde

Tomastes meu sangue tão...

... precioso.


(.:Ricardo Vieira:.)

sexta-feira, 27 de março de 2009

Sobre Pérolas e Porcos

O prático é mínimo e confortável. A mentira é confortável. Tem cores simples, homogêneas e cabe aos olhos leigos. Não incomoda o leigo, e também não o instrui. Minimalismo traduzido em conhecimento, palavras poucas, ambigüidade máxima. Afinal, não é esse o ditame destes tempos? “Fales pouco, escreva pouco e objetivamente. Palavras curtas e precisas”. (Seria esse o legado da preguiça de dize-las? Não. É de lê-las, ou de ouvi-las. A fonte apenas se adapta).
A verdade jamais se ocultou de fato, nunca foi preciso. Apenas reside nas coisas menos interessantes, pela complexidade de suas leituras. O lugar mais seguro do mundo é no campo das coisas desinteressantes e complexas. Se tu fosses um Deus místico e holístico, por certo esconderias o que não desejas por trás de coisas assim. E não serias revelado, não por humanos como a maioria dos que conhecemos.

Pois bem, aí está. A verdade por trás de tudo o que buscam está justamente no lugar onde a maioria de vocês simplesmente despreza: reflexão e complexidade. Estuda-la habilita-os a discutir, mas não necessariamente a compreender, isso é um dos últimos processos. Mas parece que alguns preferem simplesmente fingir que sabem sobre o que falam, e habitados por uma indizível preguiça mental, tornam-se “Ases” em mentir para si mesmos e inflar seus egos com sensações falsas de reconhecimento coletivo. Palmas.

Dos homens médios é simples ocultar o que bem se entende. Basta vestir de pérola algo indigno, e será desprezado. Ou comido como lavagem sem sequer ser apreciado ou notado. Pérolas são com prazer destruídas e destituídas de seu valor por humanos. Com prazer é feita lavagem, e não será digerida. Com prazer será transformada em esterco, o que estes seres produzem de mais característico – homens e porcos – e se unem por suas semelhanças. E se diferenciam também por suas semelhanças.

Mais palmas aos minimalistas das palavras. Conseguem enterrar ainda mais fundo a verdade que não sabem, nem revelam. Mas certamente conseguem travestir-se de gênios contemporâneos. E populares. Afinal, ‘é impossível ser popular sem ser medíocre’. (créditos à Oscar Wild). “Menos” é “mais lacunas”. Plantar lacunas certamente é uma boa forma de esconder as próprias intenções. Preenche-las falsamente, e a melhor maneira de manipular em seu favor.

O prático é mínimo e confortável. O confortável e prático raramente é verdadeiro. Se não faz diferença se é ou não verdade, bem-vindo à Arte de Seduzir o tolo.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Hino à Covardia

Que tolo sou
Toca-me tão fundo a alma
Tão intensamente o coração
Toca-me os sonhos e me arrepias a pele
Toca-me os pensamentos mais românticos
Também os mais devassos

Quanto a mim, que tolo sou, falta-me força
Por des-conragem
Não toco-te nem a campainha.

(.:Ricardo Vieira:.)

Onde-Me-Há-Garras

Mesmo que eu te arranhe os quadris
Não me abandones
E não olhe nos meus olhos
Não me domes

A minha alma é xucra
E corcoveia
Nem sonhes em por nela tua espora:

Saboreia...

...A suave brisa do teu cavalgar
Sobre mim, é meu sopro entre teus seios
Desnudos
Onde pouso meu olhar
Meu toque leve a te manipular
E veio
O que não posso evitar
Contrai...
E vem teu corpo em mim, e o teu pulsar

É hora

Agora é hora tua de orar
Fluir profano verbo e sentenciar

vem... Vem... VEM...!
E implores minha vez de derramar.

(.:Ricardo Vieira:.)

Encilha


Quem ousa roubar-me o ar
E assim, sem fim, profanar?
Que doce, o grilhão te encilhe
Encerre-te em teu lugar...
Que jorre a luz...
E que arda em teus olhos
Mais que as gotas
De tórrido prana...
...Me inflamas...


(.:Ricardo Vieira:.)

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Ir-Racional

Hoje despertei com impulsos trágicos
Vontades de horror, de fustigar
De arar, de causar dor, de destruir
De levar desespero a cada olhar
Que testemunhe o que hoje vou fazer

Impiedoso, me dirijo à sala
Ereto, o dedo aponta, a procurar
Na mão derramo a fúria escaldante
E na estante, em um instante o encontrei...

...E trucidei...

De um Paulo Coelho a capa arranquei
E quase faço dela mil pedaços
E os nervos? Puro aço!
Já o que restou do livro, eu poupei
Pois jaz sem capa agora, igual a todos
Igual aos que não li e não lerei

.............................................................(.:Ricardo Vieira:.)

sábado, 24 de janeiro de 2009

Céus de Ícaro

Ah, e não compreendo
O que faz com que tantos deles
Sacrifiquem toda a vida
Mergulhados na aridez
De uma então realidade

Por deixarem, secos, sérios
De cair na doce teia
De um minuto de ilusão
Vivos são, mas em vão
Pois não são
Nem de longe mais que isso

Sombras frias de uma sólida
E insólita verdade
Que se vai...
Cada vez que cerra os olhos
Esquece o tolo
Que um terço ou mais da vida
Passa de olhos cerrados

De ilusão, impregnados
Berço solto da ilusão
E a razão
Que jazia junto à vida

E só resta de imortal
A mais pura e simples obra
De quem seus joelhos dobra
Diante ao céu que Galileu
Explicou, mas que sentido
Somente Ícaro deu

Resigna-te, homem cerne:
Somente é imortal
A obra da ilusão que temes

(.:Ricardo Vieira:.)

Torpe Lupus

Saúda-me o gosto do suor
Dos lábios teus, tua pele e teu pulsar

Do ritmado som do impacto do corpo
Do meu ao teu
Do teu ao céu
Do céu ao mar

Mar que te encharca a pele nua, e dentre coxas
Onde me enlaças
A cintura
A cavalgar

Ao trote denso dos amantes de outros tempos
Ao saborear
Teu corpo em Pêlo
A me tocar

(.:Ricardo Vieira:.)

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Chave Oculta II - Louvor ao Simples Oculto

Sob cada estrela que encena sem luar
Antes que alvoreça, se revele a bela flor
Lívida crisálida desperta do encubar
Vive agora asas, se sustenta pelo ar
Escreve pelo vento seu trajeto e sua cor

Grava na existência, frágil, leve, tão fugaz
A tão ignorada, e tão buscada, vã questão
Dentro de si mesma leva essência do que traz
Une o universo numa só percepção

.:Ricardo Vieira:.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Carta Leiga ao "Seu Doutor"

Nobre homem que legisla
Meus direitos e deveres
Rogo a ti se aperceberes
Da trupe que aqui desfila
Longe dessa tua ilha
De torres e arranha-céus
Mais pra cá, nos beleléus
Onde a lei tua me encilha


Vou então logo dizendo
Sem rodeios a intenção
De lançar-te de oração
O que estou aqui fazendo
Tenho cá algumas “dicas”
De incremento ao teu labor
Talvez para o dissabor
Já que em ócio “nunca ficas”!

Não pretendo, ó, meu caro
Vir aqui, desmerecer
Os votos a te eleger
Ao cargo de teu amparo
Quem sabe num só disparo
Possa logo esclarecer
Detalhes que só reparo
Por no mundo real viver

Sabe lá, se nas tuas leis
Não possas tu incluir
Dedo ou dois de um elixir
Diário, por só um mês
No ano, e assim talvez
De boa conduta, argüir
O exemplo que tu te fez
“Que devam todos seguir”

Mais que isso nem pretendo
Pois estou só a pensar
Quem sabe, participar
Desta tal “demokratía”
Que de nome conhecia
De conceito mal entendo
Mas se estou te aborrecendo
E nem podes me parar
Versos vão acontecendo
Neles não podes votar

E pensar que fui pensando
Desde cedo, ao acordar
Num difuso despertar
De um povo se pensando
Se entendendo, e se notando
Vendo o sonho se esgotar
Vendo o sentido faltando
Em modo de participar
“Olhar foto e apertar”
Não é somente votando
Que me faço escutar

*******

Penso ainda nas cadeias
Na pena contada em tempo
De lamúria e de tormento
De verdades tão alheias
Bem, por certo, te baseias
Que é cerceando a liberdade
Que se educa a alma alheia
A viver em sociedade

Diz ao que com ferro fere
“Com ferro serás ferido!”
E Estado vira Bandido
Que mais, dele, não se espere
Somente que o encarcere
Norma é lei, dever cumprido
E o futuro que o espere
Sair “nada ressentido”
Mais humano, menos bandido
Aguardas lá, e confere
Nem piorado, nem corrompido

Digo logo a solução
Que cessem mistérios tais
Detector de metais
Resolve logo a questão!
Mas vejas bem, na saída, pois
Sujeito que entrou ladrão
De lá sai já homicida

Detector só resolve
Co’a Inteligência do Estado
Se a entrada já não te envolve
Ao menos sai desarmado
Ainda que desalmado
O homem que tu devolves

******

Desculpes meu nobre homem
Deputado ou Vereador
Quem sabe, até, Senador
Se mal entendo o que fazem

Nunca aprendi na escola
O que os diferencia
A vida não deu-me arrego
E dediquei cada dia
Correndo atrás do emprego
Pra garantir teu sossego
Com minha mente vazia
Pois hoje, se estás eleito
Sem medo de errar, acuso
Se deve ao homem confuso
Sem letras que leva ao peito
O escudo do teu partido
Para mim, desconhecido
Votei foi noutro sujeito
E o nome nem lembro mais
Perguntado ainda responde
“Mas que diferença faz?
Eu jogo meu voto onde?
Se eles são todos iguais?”

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Remeto-lhe

Quando com teus dedos tocas
Minha pele arrepiada
Tua vontade inflamada
Arrancar de mim os panos
Sem planos, tu me provocas
Te enroscas verbos profanos
Teus impérios pubianos
Beijo em torpor, me desfocas

Deslocas...

Meu eixo com teus quadris
Bem quis quartear teu toque
Dançando em ti, meu estoque
Da Música que não fiz...

Desfiz...

Componho em ti meu soneto
Do grito mudo que entoas
Nossas vozes que ecoas
Prazeres teus que remeto
Re-meto sons que não soas
De um modo tal que tu voas
Ao céu, Luar, que cometo

E prometo:

Que meto em ti o meu ser
Servindo a ti o que sou
Daquilo que só restou
Por-dentro-em-ti meu querer
Amores por teu prazer
Prazer em ti, meu amor

(.:Ricardo Vieira:.)

domingo, 13 de julho de 2008

Jazigo dos Justos

Já me acostumei a estranhar
A sempre vaga condição que me abomina
Na imobilidade que já me domina
Ao Ver o meu horror se materializar
Inevitável fim do que nunca termina
Na morte do que não se pode exterminar
A variável que se oculta pela rima
Já não consegue em canto algum se ocultar
Onde é a casa da verdade, feia e torta?
Restou alguma intimidade a devassar?
Gracejo torpe em minha face meio morta
Em face desse teu amor a me açoitar.

sábado, 12 de julho de 2008

Ressurreições de Um Imortal

Ora penso, ora “dispenso”
O que sei é que o bom senso
Sempre agrega no dissenso
Mas não tenso. Só derroto o que repenso
Ora me rendo, ora me venço.
Indiferentemente ao fato
De que “isto” eu não pertenço

Independentemente ao fato
De que isso não dispenso
Seja bom ou mau o senso
Teu consenso no dissenso

Levo a verdade contida
No marco zero do tenso
Que inevitavelmente
Real prova o que penso

Mentira leve do Senso
Comum frio e indiferente
Perde a alma e nem sente
E ainda chama de bom senso

Teu consenso não me vende
Não me compra, não me entende
Mas cabe na embalagem
No dente podre da engrenagem
Que impera o que transcende

Cai por chão teu infortúnio
De inglório flerte Hegemônico
Eu que aqui, prossigo atônito
Dia e noite, ainda me venço

Ainda que sigo tenso
Mais simplista que simplório
Prossigo por que me venço
E ressuscito no meu velório

Meio sopro, torto, impreciso
E a luz branca, hoje amarela
Face morta, mas que apaga
Teu sorriso... e tua vela.

(.:Ricardo Vieira:.)

sexta-feira, 11 de julho de 2008

CHAVE OCULTA

Quem és tu, que tão sem voz
Me habita a vida e abismos
Que me abismas na questão
Que me imperas nos motivos

Por que procuro-te eu
Dentre as crenças e achismos
Nas respostas do ateu
Nas perguntas do Cubismo

E por que te embrenhas tanto
Nas rugas de tantos rostos
Torna o tempo feio e santo
Belo manto de desgostos

Te degusto porque foges
Qualquer linha racional
Desde aqueles que se imolam
Queimando consigo o Mal
E o Bem que se interpolam
Neste equilíbrio informal

Eis que chave que ocultas
Destas portas que hoje acho
Dorme sob o travesseiro
Eu por sobre, ela debaixo

Firmando o que já é certo
Mas nem sempre se consegue
Perceber: não há pergunta
Que a resposta não carregue

(.:Ricardo Vieira:.)

HOJE ACORDEI COM UMA VONTADE ENORME...

"...De destruir a vida de alguém..."
(.:Verdades Satíricas:.)

Uma manhã quente como os infernos não poderia ser diferente. Lençóis suados e frios pegando nas minhas costas porque esqueci de colocar uma camiseta antes de dormir. Um pé do chinelo que simplesmente decidiu desaparecer por absoluto naquela dimensão onde um dos pés dos nossos pares de meias favoritos cismam em ir parar, e de lá somente regressarem após a gente colocar fora o pé que havia sobrado.

Era um complô sim. Mas não um complô comum. Era um complô em favor de meu mau humor, e obviamente, por conseqüência, um complô contra o mundo que me cercava, pois ali decidi: Hoje vou destruir a vida de alguém.

Dentre todas as lâminas que o homem fabricou até hoje, com o advento da ciência ultra evoluída, nunca, jamais, em hipótese alguma, gerou-se nada capaz de superar o poder cortante de minha língua associada a um violento mau humor. Afinal, de uma vida que de sucessos conheceu apenas o desejo, que de sonhos conheceu apenas a interrupção justamente nos momentos de gozo, as 5h e 45min da manhã de qualquer dia que fosse onde meu deprimente emprego exigisse que eu estivesse, a produzir matricialmente a riqueza de um homem que nunca sequer vi. É uma boa razão – Hoje eu destruo a vida de alguém.

O café... Esse sim nunca me traiu, ajuda a manter as dores de cabeça em relativo controle, e dizem que mantém o sono longe. E se já sinto sono o dia todo tomando café, imagina se não tomo! Sim ele vai me dar o primeiro prazer do dia... Merda... Um gole sedento e profundo de café “adoçado” com sal. Por que diabos são iguais esses potes?

Chega, vamos lá, tenho uma vida pra destruir, hoje acabo com alguém, e só preciso olhar e dizer a verdade. A verdade é suficiente pra acabar com qualquer alma feliz.

Por falar em felicidade, isso é uma palhaçada. Não existe, nem nunca existiu. É pura ilusão. Sempre tem um cretino pra dizer: “Felicidade não existe, somente momentos felizes!” – Isso quando não aparece um cretino mais cretino ainda pra dizer coisa pior: “A felicidade é a gente que faz!”... Definitivamente cretinos. O que existe é a ausência de cretinisse e infelicidade, e isso posso provar pra qualquer um (que não seja um cretino, óbvio).

Qual não foi minha satisfação ao sair no portão de meu barraco e dar-me de frente adivinha com quem? Ah...! Aquela figura ridícula e presa fácil: O Carteiro. Quer coisa mais ridícula que um homem de meia idade vestido de amarelo gritante e azul-saco andando por aí distribuindo cartinhas? Ah, ele vai me ouvir, aquele ridículo. Na minha mente começou a formar-se o argumente perfeito, e ele jamais conseguiria entregar uma carta novamente sem lembra-se do quão ridículo ele era. Saberia do quanto sua insignificância e frustração eram evidentes no jeito de andar, de fugir de cachorros, de bater palmas para pegar assinaturas, de caminhar por aí feito um imbecil por um salário indigno e interesse de desinteressados por ele. Ah, que maravilha!

- Bom dia seu Amaro! Olha só, ontem passei aqui para lhe entregar este telegrama registrado, vi que o senhor ainda não havia chegado, mas sei que o senhor sai sempre cedo, junto comigo, resolvi guardar pra lhe entregar aqui, para que não voltasse lá pra central, causando transtornos para retirar.

Por um momento fiquei pensando... Quem é esse homem que nunca vi na vida? Que sabe onde moro, sabe meu nome, o horário que saio pra trabalhar, e vem cheio de simpatias sem nunca sequer ter recebido um cumprimento meu (eu é que não perco tempo dando “oizinhos” pra cada um que vejo)...

Sem responder peguei o telegrama, com a curiosidade dividida entre a carta e o homem misterioso, e fui desacelerando o passo conforme tentava ler as letras trepidantes, mas sem conseguir concentrar-me nem numa coisa, nem noutra. O Carteiro acelerou o passo, para não perder o ônibus, faltavam ainda umas duas quadras até o ponto de ônibus. Então consegui ver o que se revelava como: “Querido Amaro! Finalmente encontramos você, depois de tanto anos! Como você está? Teus amigos aqui querem muito saber notícias... blá, blá, blá...”.

Sim, “blá-blá-blá”, pois simplesmente não consegui nem continuar, atônito por ter sido lembrado por... nem lembrava mais por quem. E quando dei por mim, estava estático, parado com a carta na mão. E subitamente lembrando que ia perder meu ônibus, e na seqüência, o emprego, onde atraso não era admitido!

Mas era tarde, faltava quase uma quadra inteira, e vi o ônibus passar pela esquina... Me lasquei... Apenas mantive o passo numa esperança inútil de que não fosse e o meu, e sim o que passava antes deles, atrasado, que tudo ficaria bem. Tem idéia da sensação do pânico que me percorreu? Não tem não. Era pé na bunda, na certa.
Mas, quando me aproximei da parada, qual não foi minha surpresa! O coletivo ali, parado, me aguardando, com uma figura amarela gritando na porta da frente, dependurado: “Vamos, vamos, pedi pra pro motorista te esperar, anda!”

Maldito carteiro. Como eu ia acabar com a vida dele agora? Cretino.

Havia ainda um banco logo atrás da roleta (catraca, para alguns), e tratei de adiantar-me e sentei. Ele postou-se em pé, ao meu lado, calado e compenetrado na janela. Fiquei torcendo para que não ficasse puxando papo, odeio conversas de ônibus, não tem coisa mais chata. À minha frente, a figura tétrica do cobrador (trocador, para alguns), morrendo de sono, quase dando cabeçadas na sua gaveta de moedas. Que ridículo. Seria ele. Sim, ele ia ser destruído!
- Hei, cobrador! Tava de festa ontem? Não consegue nem parar sentado...
- Não senhor, era velório. Minha mãe de criação faleceu, foi péssimo... Nem folga consegui hoje, mas vou tentar agüentar o dia de trabalho, apesar da tristeza. Puxa vida, ela era tudo pra mim... A melhor mãe do mundo.

Duvidei... Acho ainda que ele estava de festa, mas na dúvida, melhor não questionar. Vai que é verdade e a falecida vem me puxar os pés de noite... Não que eu acredite, mas melhor não arriscar. Segui em frente, entediado.

De repente, lembrei-me: A carta! Afinal, quem era esse remetente esquecido, que de alguma forma me achara? Desembrulhei o bendito papel, confesso, com alguma ansiedade. Nem me lembro da ultima vez que recebi uma carta antes dessa. Recebi?

Para não continuar do blá blá blá, reiniciei a leitura: “Querido Amaro! Finalmente encontramos você, depois de tanto anos! Como você está? Teus amigos aqui querem...”

- Moço, será que o senhor se importa de segurar isso pra mim? – Mas antes mesmo que eu pudesse responder, ou sequer ver direito a dona da voz feminina e irritante que me perguntara, pousou sobre minha carta uma enorme sacola de pelúcia, cheia de mamadeiras, cobertores (que tipo de criatura anda com cobertores num dia quente que nem hoje?), e um monte de porcarias dessas que bebês gostam que suas patéticas mães carreguem. E não poderia piorar. Ela levava o bendito bebê no colo, fazendo questão de enfiar a fralda polpuda na minha orelha. É. Seria uma viagem ao inferno hoje.

Estava fervendo. E certamente me deixava a face rubra. Era meu sangue, prestes a ebulir. Faltava bem pouco. E de repente... O som denunciava eventos bem ali, na minha orelha esquerda. O bebê fez a única coisa que sabia produzir na vida. Sim. Olhei para a janela ansioso para que estivesse aberta, antes que o fedor me entranhasse pelos poucos cabelos. Segundos depois já estava calculando o tamanho da abertura da janela em relação ao tamanho do simpático bebê fedorento. É. Eu ia dizer as verdades que merecia ouvir toda a mãe chata que carrega bebês em ônibus lotados de trabalhadores que atravessavam toda a periferia e meia cidade para chegar aos seus malditos empregos.

Cheguei a postar-lhe os olhos, anunciando que diria algo e... Percebi que passou-lhe por sobre o ombro um braço generoso... Talvez do tamanho da minha perna em sua melhor época. É. Preferia destruir a vida de alguém sem destruir minha arcada dentária, já faltosa de alguns entes queridos.

O ar da metrópole nunca foi tão puro! Pernas duras, mas acostumando-se a andar enquanto descia os degraus do coletivo, depois de quase hora e meia esmagadas pela sacola, e, depois de certo trecho, pela criança que fui escalado pelo marido para carregar até que cedesse o lugar. É. Finalmente pude descer e devolver um bebê de fraldas cheias e cheirosas para sua mãe.

Apenas três quadras, e meu posto de trabalho chegaria. Ah, a vida deu-me, depois de tantos anos, a posição de fiscalizador daquilo que antes, até bem poucas semanas atrás, era minha função! E havia bastante gente que poderia ser facilmente e merecidamente destruída! O dia chegou! A porta se abriu. Entrei. E lá estavam eles. Meus fiscalizados e suas caras tortas, sabiam que seriam realmente fiscalizados! Sim, seriam mesmo! Mas somente no momento em que eu conseguisse terminar de ler minha carta.

Fui buscar um canto um pouco mais isolado, logo após bater meu ponto. Um canto qualquer sossegado bastaria, não passavam de duas páginas. Apesar de detestar ler, a caligrafia era até bem boa, leria rapidamente: “Querido Amaro! Finalmente encontramos você, depois de tanto anos! Como você está? Teus amigos aqui querem...” – Seu Amaro, por favor, o pessoal vai reunir ali na recepção, tem colega novo.

Ah, os novatos... Eu ainda não havia tido a chance de colocar as mãos num novato bisonho para arrancar-lhe cada resquício de dignidade! Finalmente, chegara a hora!

E qual não foi minha surpresa! Era um homem de grande porte! E casualmente, o homem que me largara no colo uma criança fedorenta, mesmo sob minha recusa, abusando de minha condição desprivilegiada. Lá estava ele, com uma cara de tacho ridícula, e ainda sem uniforme. Ah, prato cheio. Terei o prazer de não demiti-lo nunca, não sem que antes desejasse muito. As coisas pareciam caminhar para a perfeição!
Seu Amaro, esse é Jorge, como gosta de ser chamado, o novo...

- Jorge? Ah, sim, e ainda gosta de ser chamado? – Vi de cara que ele já estava me reconhecendo, pelo sorriso tímido que esboçou.
- É, eu prefiro ser chamado pelo nome, gosto de manter a informalidade, sabe...
- Claro, claro, Jorge. Mas gosto de ser chamado de Seu Amaro. E, melhor! Prefiro toda a formalidade do mundo! E trata de ir direto pro vestiário tomar um banho, tu estás fedendo a bosta de criança de colo. Pode ser que não gostes de carregar as besteiras que tu fazes nas costas e passar para as costas dos outros, mas aqui, podes ter certeza, vai aprender a colocar os pingos nos “Is”.

- Mas... Seu Amaro, eu...
- Poupe-me, rapaz. Me procures somente quando tiver algo de útil pra dizer. De abobrinhas basta as que tenho que aturar de meus chefes dementes. Mas se tenho que aturar esses imbecis, pode acreditar, tu consegues me aturar. Terás que fazer força, mas acho que consegue. Ou não quer o emprego?

- Puxa... quero sim. Nunca quis tanto. Eu...
- Ta, some da minha frente e vai colocar teu uniforme, pois tenho mais o que fazer, e preciso ler uma maldita carta.
- Tudo bem, Seu Amaro. Obrigado pela orientação. Eu...
- “Eu” o quê, criatura?

- Eu só queria me apresentar... Jorge, sou o novo chefe do RH, fui transferido da matriz pra cá essa semana, pra resolver uns probleminhas que têm acontecido por aqui. Aliás, lhe pediria, quando tiver um tempinho, e terminar de ler sua carta, que dê uma passadinha na minha sala, resolver umas coisinhas, sabe? Ok? – Um sorrisinho charmosíssimo lhe escapou quando se virava. O mesmo de todos os colegas e subordinados que estavam na recepção, a nos escutar...

Tentei: “Querido Amaro! Finalmente encontramos você, depois de tanto anos! Como você está? Teus amigos aqui querem... blá blá blá...”.
Eu não conseguia. Resolvi ir logo pro matadouro. E como era de se esperar, fui abatido.

Fiquei impressionado do quanto a vida pode ser injusta com alguém. Logo eu, que jamais desejei o mal de ninguém que não merecesse! Cretinos e suas cretinisses. Vou é pra casa, esperar o jornal de domingo. Mas não consegui pensar em nada no caminho de casa... Apenas uma sensação de impotência perante a injustiça que sofri...

É... Um café bem que poderia amenizar essa dor de cabeça. E tomei um “golaço” de meia xícara, antes de notar que esqui de adoçar dessa vez. Quando consegui desmanchar a careta, tirei o envelope do bolso, para finalmente descobrir o bendito remetente. Quem teria lembrado de mim no dia mais difícil de minha vida?

Não sei. Só sei que o envelope que achei no bolso era o encaminhamento para o seguro-desemprego... A carta, não achei. Aliás, vale lembrar que nunca a encontrei. Devo ter deixado na recepção, onde os colegas riam de minha desgraça. Me restava esperar o carteiro no dia seguinte, e perguntar se sabia de algo mais... Mas era outro, bem velhote... Contou-me que seu colega foi promovido e deixou de entregar. E que certamente mudara de cidade, não fazia a menor idéia de onde encontrá-lo.
Grande coisa. Tem tanto Amaro por aí. Na certa era um engano mesmo.

SOU INCÍDIO

"Num ato de desespero
Deslizo a Lâmina da Indiferença
Por sobre a artéria Poética"



Ele até sentia medo, mas estava decidido
Não há nada neste mundo que o desvie de tal rumo
Rumo ao Frígido vazio, do endosso do silêncio
Dedo ou dois de vinho tinto... Arrepios
Deslizou sem dó a Lâmina de uma fria indiferença
Que certeira mais que sempre, lhe fende a veia poética
Dos punhos fluem versos, seco, triste, arrependido
No impulso frágil tenso, foi-se ele sem lembrar-se
De pensar nem delegar o seu último pedido
(.:Ricardo Vieira:.)

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Vidas Ilhadas

“Anda guri. Vai brincar na rua”. Era uma sentença, Olavo obedeceu. Jamais, sob circunstância alguma, questionava uma ordem de sua irmã. A mão era pesada, sempre certeira pela incerteza. Sempre surpreendia quando vinha, no contratempo da defesa, ou da esquiva. Poucas vezes foi melhor conseguir escapar, era pior mais tarde.

Puxando os calções para cima, o moleque foi saindo da soleira da porta, sob os cutucões da irmã mais velha, com pouco menos que o dobro de sua idade. E sua idade ele jamais pronunciava, apenas mostrava, quando perguntado, com os dedos espalmados de uma mão, descoordenadamente abrindo os outros dois dedos da segunda mão.

“Ligeiro, moleque, anda...” – aos empurrões apressando Olavo, que de má vontade foi se afastando da porta. Nem mesmo levantou os olhos para ver o homem que entrava pela porta de onde ele se levantava. Nem fazia diferença, nunca mais o veria mesmo, e se visse, não lembraria, eram tantos, às vezes, vários num só dia. E a porta tortuosa e feia do barraco rangeu aos trancos até que se fechasse, ficando apenas as frestas enormes. Parado, Olavo ficou olhando a luz apagar-se. Olhou para os lados, em silêncio, e em pé, como se esperasse alguma novidade que nunca aconteceria. Olhou para os barracos dos dois lados, e o silêncio macabro que ainda se fazia, como um suspense que ele preferia continuar ouvindo. Mas o susto invadiu-lhe subitamente, pela grossa camada de poeira que lhe cobriu a vista, vinda do deslocamento de ar de um apressado caminhão que lhe tirara um fino à beira do acostamento, poucos metros de onde as casas perfilavam-se.

Olavo normalmente era atento, e certamente o moleque de sete anos mais sabido do mundo. Sabia direitinho que caminhões tinham gente estranha dentro. Normalmente eram os que mais se demoravam quando paravam.

Mais uma forte baforada, outro caminhão... E decidiu afastar-se um pouco do acostamento. Não temia a morte. Apenas a dor, que era só o que compreendia. E imaginava que “ser pego” doía muito. Lembrava-se, e afastava-se, mas sempre atento à cena atraente dos caminhões que vinham crescendo no horizonte, até agigantarem-se tanto, e deixarem somente seus rastros de poeira e vento, antes de encolherem novamente no horizonte oposto.

A pele amorenada e manchada de pequenos círculos brancos espalhados pelo rosto e corpo estava ficando fria ao sol de fim de tarde, pois vestia apenas aquele enorme calção vermelho e sujo. Sujo como estava seu rosto, de poeira e lágrima provocada pelo vento. Fitava a casa. Em breve a porta abriria, e o homem que entrou sairia, com um pito nos beiços e expressão de sacies. Era sempre assim, de uns tempos pra cá. E era assim também nas casas aos lados. Mas Leandra ultimamente estava sendo a mais visitada. A natureza seguia seu curso, e era preciso extrair daquele lapso de tempo seu único presente rentável: A beleza.

Mas estava demorando muito... A impaciência de Olavo crescia, e incomodava-o. Sentia-se profundamente sozinho, como normalmente não acontecia. Fitou a porta, e ela não abria, e sua imaginação o fazia quase crer que estava se abrindo. Mas não abria.
Olhava para trás, tentava distrair-se com o caminhão que passava, e fazia onda com folhas sobre o asfalto. Mas era angustiante, pois a porta atrás dele não se abria, e Leandra não o chamava. A angústia lhe fez ter vontade de ir até a porta. Mas sabia que a surra era certa depois. A irmã sempre o chamava de muitos nomes estranhos quando a desobedecia, e sua mão era mais pesada que sua voz. Mas uma sensação de pânico ia crescendo, estranhamente, no peito do menino sujismundo.

Voltou a olhar a porta, fazendo esforço mental para vê-la abrir, o homem sair, e Leandra, depois de uns minutos, o chamar. Sempre levava um tempo, suficiente para o homem entrar de volta no caminhão, ligar, e ir embora. Ela o chamaria. Mas a porta não abria. O pânico e sensação profunda de solidão venceriam em breve o medo de apanhar.
À beira do acostamento, naquela ilha perdida num mundo incompreensível e de pedras cinzas, Olavo estava em pé à beira do acostamento, olhando para seu lar com a porta cerrada, desesperadamente esperando. E desejou profundamente a pesada mão de sua irmã estapeando-lhe o lombo, desde que dando-lhe alguma atenção. E precipitou-se a correr na direção da casa, de olhos entornados d’água. E meio metro antes de chocar-se com a porta, assustou-se com o rangido de sua abertura. Ela escancarava-se.
Parado, atônito, assustado e ao mesmo tempo aliviado, olhou para cima, e para o rosto do homem que saia. Ele sempre odiava os homens que entravam e saiam da casa onde vivia com sua irmã, e sua mãe quase nunca presente. O homem olhou para Olavo, bem nos olhos, e o medo o fez ficar imóvel. Imaginou que o bofete de um homem daquele tamanho doeria como se o caminhão o tivesse acertado, e quando ele ergueu a mão em direção ao meninote, este espremeu os olhos, tenso. Um breve afago no cocuruto, e algo que lhe foi enfiado na palma da mão, agarrado instintivamente, sem ao menos olhar. E o homem se foi, assoviando.

Parado. Olavo ficou ali, olhando o homem ir em direção à estrada, para seu caminhão fazedor de ventos. Então olhou para a própria mão, e viu algumas cédulas de uns poucos reais. E uma bala de mel. O sorriso estampou-lhe a face, e desembrulhou rapidamente a bala metendo na boca, correndo rápido para dentro do casebre torto, com o braço estendido com as notas na mão, a fim de entregá-las à irmã, o que sempre fazia quando lhe davam algum dinheiro. Entrou na cozinha a pique, sem notar que a menina se lavava, nua, numa bacia de alumínio amassada. Uns tortolhos e uns gritos, e ele saiu chorando de dentro de casa. Mas cessou as lágrimas de imediato quando viu o homem e seu caminhão partirem.

O som forte dos freios a ar lhe encantavam. Atento a cada manobra do caminhão para sair na ponte que ligava Porto Alegre às demais cidades satélites, a criança sentia-se diferente. Pela primeira vez achou que veria o homem novamente. E pela primeira vez, abanou para um caminhão que partia. Ansioso por vê-lo encolhendo no horizonte, e aproveitar-lhe o máximo a presença. E olhando, distraído, nem sentiu cair-lhe a bala da boca. E quando notou, já tinha havia caído na areia suja, chegou a abaixar-se para juntá-la, mas teve nojo. Voltou rápido os olhos para a estrada, porém, não havia mais nada. Foi a primeira vez que Olavo entendeu que havia algo nas outras pontas daquela estrada. E foi então que decidiu que viveria o bastante para descobrir o que era.

Como Outrora Fostes

Onde anda tua pose
Tua boa educação
Teus conformes tão disformes
Tua abnegação?

Pelos mais finos primores
Da mais fina encenação
As orgias de mil cores
De bons gostos coleção?

Onde estão tuas palavras
Perfeita colocação
Dentre o verbo conjugado
E o verbo sem ação?

Onde está tua grandeza
E tua convicção
Cada perfeita proeza
Que não vejo no caixão?

Que de tão ornado em flores
Nem parece berço vão
De enterro de valores
Desenterro de oração

Dê-me uma em dez belezas
Dentre as tuas, sempre raras
Hoje tens bem a clareza
Derivam de flores caras

Bom retorno ao que te espera
Bem de onde tu viestes
Dentro em breve serás pó
Que outrora
Limpastes
De tuas vestes

(-Ricardo Vieira-)

Parte Não

Parte minha quer os fatos
Parte outra, talvez não
Parte quer partes do ato
Outra quer só a canção

Nada que seja o relato
Da mais simples ocasião
Por que o sonho é desacato
Parte solta da razão

Se real ou abstrato
Pouco importa se é ou não
Em meu sonho só retrato
Meu extrato em efusão

Se há partes que dividem
Parte sim, parte que não
Partes que nunca decidem
Ou que nem se importarão

Essas partes se confundem
Em valor e proporção
Se ancoram e se fundem
Em perfeita profusão


Se só crias todo ou parte
Se te parte o coração
Se à parte crias arte
Artista ou mero artesão

Contas parte da tua lida
Com os calos da tua mão
Da tua sina sofrida
Choras tua criação

Parte clonada da vida
Que reclamas proteção
Por ti mesma atribuída
Como regurgitação

Por que parte tua sabe
Mesmo que outra parte não
Que o que esperas dessa vida
Não é tua invenção.

(-Ricardo Vieira-)

sábado, 5 de julho de 2008

Face Alheia do Amor


Nada é mais leve do que um peito que ama. Do que um peito que admite que o amor é algo que somente traz, e jamais leva-te nada. Amor soma, e jamais subtrai. Quando divide, é para multiplicar pelos divisores seus benefícios, tal qual certos pães, de um certo homem, que tão dito, é tão pouco compreendido pelos que o pronunciam.

Estranhamente, é na partilha final que o amor dá o recado de sua existência, ou inexistência. Muito há de se confundir com este famoso personagem habitante da alma humana, exceto suas características fundamentais. Ele sempre acrescenta, até na despedida. Quando real e verdadeiro, quando existente, ele quer, ele deseja. Mas ele permite. E não apaga a luz ao sair. Acende luz por onde passa, ascende em desejo de boas graças.

Na partilha, deixa mais do que havia ao chegar, sempre. Não leva nada que não tenha trazido. E se leva, deixa em troca o valor maior. Pobre do que crê que “estar” é “ser”, pois acreditará que amar dá-lhe o direito de “ter”. E amar é um direito hibrido, sem contrapartidas. Amar é um ato unilateral da existência, ainda que as conseqüências não sejam unilaterais.

Nada mais leve do que o peito de quem ama e se vai, pois da partilha, bem entendes, leva o que aprendeu e o que viveu, sem dor. Deixa o que tinha de melhor, de mais limpo e precioso, de mais autêntico e legítimo. Se o peito pesa, certamente não é preciso dizer o que isso significa.

Acreditar que a ausência de quem ama pune a alma, e punir a alma de quem ama com a ausência, é incorrer na verdade inevitável... Não há amor por parte de quem isso pretende. Ainda que unilateralmente, haja de lá, lado que não perde. Ainda que na partilha, se prejudique, ficará a certeza, a clareza. Sem dor, não se perde por amar. Se perde, é apenas por que não se sabe amar sem saber somar. Então, divido-me. Divido-me em lado esquerdo e lado direito. Leva-me um, deixa-me o outro, para que eu me possa conhecer melhor.

Quando saírem, amores meus, lembrem-se de não apagarem a luz de meu olhar. Ao menos não de meus dois lados. Pois meu coração Pagão algo sabe de Cristão. Ofereço-te a outra face: a que ainda pode sorrir.

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Sobre Castelos de Areia


É difícil desmanchar um Castelo de Areia... Por mais que se saiba que ele é apenas de areia... que é fugaz... Porém, as vezes é tão lindo, tão surreal... que nos faz esquecer que nele não cabemos dentro. É aí que se quer ser pequeno, tão pequeno quanto se possa. E é quando o vento se torna ameaçador o bastante para levar-te junto com os grãos de areia que secam...

Ser humano é contentar-se em ser limitado pelo que se sabe e dividido pelo que se entende. Uma luta tão dual de si contra o "outro Si", e que por tantas vezes parece não ser disputada por nenhum possível vitorioso.

É difícil desmanchar um Castelo de areia. E também com ele não sonhar ser mínimo. Mas infantil, desnudo de graça, e de pazinha na mão, reflito: “Devo por isso não construí-lo...?"

”Definitivamente. É difícil desmanchar um castelo de areia. Mais difícil é não construí-lo.

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Palavras Curtas

(.:Verdades Satíricas:.)

Fui dar uma espiada na minha caixa de E-Mails, que normalmente fica lotada daquelas mensagens em massa, que algumas pessoas insistem em te enviar caprichosamente todos os dias, sem jamais esquecer de solicitar ao final que você espalhe para todos os seus amigos e contatos. Foi quando estranhamente constatei a presença de um estranho e-mail que não tinha um título nada comum: “Saudações, querido amigo!”

Detalhe: não havia qualquer anexo, nem HTML, nem slides ou fotos... Nada. Tive um crise de pânico! O que seria aquilo? Um E-Mail bomba? Um supervírus novo, desses que saltam do computador e corroem até o mouse? Fiquei apavorado. Mas “cliquei”.

Era um E-Mail! De verdade, cheio de letras, aproximadamente duas páginas A4, se fosse medir em centímetros. Não tinhas “Smile”, as palavras estavam escritas de forma completa, e, acreditem, bem escritas. Mais uma vez entrei em pânico! Só podia ser coisa de um psicopata, avisando o dia de minha morte...!

Porém, era uma amigável “carta”. Começava de forma simples, e terminava de forma simples. Alguém que dizia me conhecer havia muitos anos, e que as curvas da vida haviam separado, e que reconhecera meu nome no Orkut.

Fiquei pasmo. Lembrei-me daquela época em que se trocava cartas, de duas, três, quatro páginas, que contavam como as coisas estavam, as novidades, os dramas da vida. Eu, particularmente, chegava a dedicar umas duas horas às vezes, para escrever aquela carta, que levaria ainda uns três dias depois de colocada naquelas caixas amarelas do correio, que hoje padecem de solidão, as poucas que ainda existem. A ansiedade por uma resposta começava ali. Era caro, trabalhoso, primitivo, mas... Tão pessoal e prazeroso...

O aluguel de uma caixa postal nos correios custava caro, mas ainda assim, se encontrava fila de espera para conseguir uma, e selos se compravam em enormes cartelas quando se tinha um parente distante, ou mesmo um amigo ou namorada por correspondência. Pois é, acho que essas coisas faleceram. E não é pra menos, MSN, E-Mail grátis de todo o tipo, promoções telefônicas, torpedo, celular ao preço de cafezinho, Lan-House por todos os lados, computador ao preço de televisão... Espaço ilimitado para letras. Idéias ilimitadas para escrever. Mas ainda assim, eu raras vezes recebi um E-Mail à altura de uma carta. “E aê, cm vc ta? Fz tmpo q ñ tc com vc! J”... E assim tem sido. Meio parágrafo, pois ninguém mais tem tempo. Quanto mais a tecnologia avança para te dar facilidades, mais dificuldades você encontra. Menos tempo você tem.

Mas continuei minha jornada, lendo o meu raro E-Mail. “Fiquei muito contente de encotrar você depois de tantos anos. Mas não sabia que tinha se mudado para o Rio Grande do Sul, dizem que aí faz muito frio, não é verdade? Pois é, o pessoal da nossa velha escola, aqui em Minas...”

Não consegui acabar o último parágrafo. Jamais morei em Minas. Sempre vivi no RS. Mas me senti contente, ao menos, por não precisar levar até o correio, colar um selo, e mandar de volta ao remetente. :(

segunda-feira, 23 de julho de 2007

Janela da Alma

Pra começar... Sou reticente...

Dizer que falar sobre mim é abordar o assunto que melhor domino pode ser uma falácia. Constantemente me transformo, e procuro lapidar minhas opiniões e conceitos com novas óticas e informações. É talvez um vício, buscar novas formas de ver as mesmas coisas, desconstruir opiniões, reconstruir motivos.

Não gosto de pessoas que avaliam a gente pelo primeiro impulso, principalmente quando sabem que sabemos estar sendo avaliados, conheço poucos que não erram diante de tal responsabilidade. Prefiro as que observam caladas, discretas. Estas conhecem a verdade sem precisar intimidar.

Aprecio bons líderes, gosto de observar como trabalham, e como fazem para manter o controle sobre pessoas com quem lidam. Acho patético quem tem de usar métodos bárbaros para arrancar os resultados que espera em relação ao trabalho. Mas tenho mais pena ainda de quem só sabe produzir resultados sobre esta mesma pressão.

Trabalho bem quando estou estimulado, e com a forma certa, não encontro limites físicos nem emocionais para buscar um fim. Mas não me sinto capaz de empregar meios que considero injustos.

Falando em meios injustos, não creio que fins justifiquem qualquer meio. Mas creio que podem justificar às vezes. Aprecio quando algo é feito em busca do prejuízo menor, mesmo que este tenha de ser dividido por todos.

Não gosto de me deparar com pessoas grosseiras, nem com pessoas superficiais. Mas quando estou em grupo, acho que sei como fazer delas ferramentas de produção de bons resultados, seja no que for. E adoro estudar formas de fazer isso. Ainda que o ditado diga que “não se pode agradar gregos e troianos”, tenho lá minhas dúvidas. Eu prefiro tentar.

Há poucas coisas nas quais acredito. Sobre a maioria das coisas que penso, na verdade sei. Crer, para mim é ter fé. Fé nem sempre é bom sinal. Fragiliza o juízo, tende a “emburrecer” as pessoas. Mas quando sinto que algo é verdadeiro, mesmo que não possa provar empiricamente, adoto como “verdade pessoal”, mas sempre exposta à possibilidade de mudar, caso prova em contrário surja.

Gosto de ler poesias e afins usando conhecimento mítico. E leio artigos científicos com conhecimento empírico-científico. Acho muita graça de quem não sabe a diferença, e desprezo os que sabem a ainda assim, enganam quem não sabe com idéias mistas... Religiosos normalmente fazem isso.

Adoro quando faz frio. Visto-me melhor no inverno. Mas odeio chuva de uma semana. Dias equilibrados, de meio termo, me chateiam também. Prefiro estações definidas e marcantes. Prefiro assim também as pessoas. Acho muita graça das que preferem agradar a todos. Gosto que todos fiquem felizes comigo, mas não me transformo no objeto de suas admirações para isso. Acho um pessoas que se esforçam para serem admiradas um saco. Mas respeito isso, afinal, sem isso, talvez não sejam nada.

Irritam-me pessoas que se acham vítimas das circunstâncias. Costumo ser impiedoso com quem tem pena de si mesmo.

Uso meia hora de minha vida sentado numa poltrona na penumbra, de vez em quando. Sem fazer nada, sem criar nada, sem desejar nada. Faz a gente lembrar como é estar realmente sozinho.

Fico indignado quando viro a página de um livro e encontro certas frases geniais de um filósofo ou um escritor qualquer, e tenho a clara impressão de ter sido plagiado em um de meus pensamentos não escritos... Percebo que eu deveria ter nascido uns anos mais cedo. Depois, acabo ficando feliz por não estar sozinho naquela sentença.

Tenho péssimo humor quando faço compras. Tenho mania de cheirar as coisas, mesmo que o cheiro não pareça bom. Às vezes me dou mal.

Adorava ler Mad e Chiclete com Banana. Mas fiquei triste quando mudaram tragicamente a linha de humor. Me pergunto as vezes se não fui eu quem mudei.

Adoro humor negro. Não aprendi até hoje a usar os “Porquês”. Aprendo, e esqueço. Tenho que ficar com um papel anotado o tempo todo, como se fosse a fórmula de báskara.

Não gosto de dar presentes em datas festivas, sofro de crises de identidade na páscoa (Tá, brincadeira... É que o preço do ovo ta pela hora da morte!). Prefiro dar presentes por dar, sem datas marcadas.

Adorava Chaves, quando tinha tempo para assistir. Para mim, ele é um gênio. Ainda acho que é baseado na mitologia grega.

Eu também detestava o Orkut. Hoje, detesto quando está fora do ar. Me sinto “vendido” por isso as vezes. Mas me perdôo unicamente por que não fumo. (Olha aí o Porquê...).

E... Para terminar... Também sou reticente às vezes. Acho que por que sempre sinto como se houvesse algo mais a ser dito. Como se ali ficasse calada uma idéia importante que não pode ser dita. Mas que deve ser pensada.

Assim sou. Por enquanto.

Pratique a Digitação